No último dia 7 de julho, o correspondente no Brasil do jornal espanhol
El País indagou, num artigo brilhante: “Por qué Brasil no tiene
indignados?” (veja na íntegra nesta página). Arias não entendia a razão
de os brasileiros – diante de um mar de corrupção, principalmente na
esfera política – não ocuparem as ruas e praças do país para protestar
contra os desmandos. “O país está calado diante da corrupção. Os únicos
capazes de levar para a rua até 2 milhões de pessoas são os
homossexuais, os seguidores das igrejas evangélicas e os que pedem a
liberação da maconha”, escreveu o jornalista espanhol.
No próximo dia 7 – exatamente dois meses após a
publicação do artigo do perplexo Juan Arias –, os brasileiros devem
mostrar que não estão tão apáticos assim em relação aos escândalos de
corrupção em série no país, que envolvem políticos, em especial, mas
também atingem empresários e banqueiros.
Pelo que se vislumbra nos protestos marcados nas redes sociais da
internet – adotadas definitivamente pelos “conspiradores” do século 21
–, o Dia da Independência vai virar “Dia da Indignação”.
Centenas de manifestações no Sete de Setembro estão sendo articuladas
no Facebook, a rede preferida dos “revoltosos”. Somados, os internautas
que traduzem sua indignação no Facebook passam de 100 mil, sinalizando
que muitos dos que antes apenas se expressavam irritados, nas áreas nos
sites destinadas aos comentários das notícias sobre corrupção, agora
mostram disposição em partir para ações mais efetivas de combate aos
corruptos.
Veja o calendário dos protestos marcados em todos os 26 estados, mais o
Distrito Federal, em:
http://brasilmaisetico.wordpress.com/calendario-geral-de-manifestacoes/
No Maranhão, as manifestações estão sendo articuladas em:
NASRUAS.MA (Twittter); https://www.facebook.com/groups/nasruas.ma
(Facebook); e http://www.whatis-theplan.org/t3537-rmaranhao-ma (Forum).
Principais protestos – A voz rouca dos indignados
organizados na internet será ouvida, por exemplo, na “Marcha Contra a
Corrupção em Brasília”, que já tem quase 15 mil adesões no Facebook.
“A absolvição da deputada Jaqueline Roriz [PMN-DF, flagrada num vídeo,
em 2006, recebendo R$ 50 mil do “mensalão” do DEM para o caixa 2 de sua
campanha eleitoral], fez o nosso movimento explodir. Sabemos que nem
todos os que confirmaram presença vão poder ir, mas esperamos reunir
pelo menos 10 mil pessoas no protesto”, disse o empresário Walter
Magalhães, de 28 anos, que com mais duas amigas organiza a marcha em
Brasília – que pretende ser pacífica e apartidária.
Os participantes da marcha devem se reunir às 9h do dia 7 de setembro
no Museu Nacional. A ideia, segundo os organizadores, é seguir em
passeata até o mais próximo possível do palanque onde ficarão os
políticos que vão assistir à parada militar.
Já o movimento “O Brasil de Luto – Reação contra a Corrupção” –, que
contava até ontem (3) com mais de 20 mil adesões de vários estados do
país, pede que toda a população se vista de preto ou com nariz de
palhaço no Sete de Setembro para mostrar sua indignação contra os
corruptos e a impunidade no país.
“Todo escândalo mexe com a nossa vontade de reagir. Nosso movimento
cresce no ‘boca a boca’. Mais de 80 mil pessoas receberam convites do
protesto pelo Facebook”, informou a empresária Ilze Papazian, de 44
anos, organizadora do protesto.
Outra “conspiração” em andamento no Facebook é o movimento “Todos
Juntos contra a Corrupção”, que já conseguiu mais de 20 mil confirmações
de presença para o ato de protesto no dia 20 de setembro, na
emblemática Cinelândia, no Rio de Janeiro.
São Paulo também dirá não à corrupção, com nada menos do que quatro
atos de protesto no vão do Museu de Arte (Masp), na Avenida Paulista.
Num deles, desfilará a escola de samba “Unidos Contra a Corrupção”.
Prevê-se o comparecimento de 18 mil pessoas nas manifestações
paulistanas.
EMBLEMAS DA CORRUPÇÃO*
Políticos, empresários e banqueiros acusados de práticas antiéticas ou
ilegais brotam da terra no Brasil, mas alguns deles viraram emblemas
nacionais da corrupção impune. Veja quais são:
JOSÉ SARNEY
Uma tempestade de denúncias de corrupção desabou, em 2009, sobre o
presidente do Senado brasileiro José Ribamar Sarney de Araújo Costa, o
José Sarney (PMDB-AP), de 81 anos, maranhense, ex-presidente da
República (1985 a 1990). Mas o “homem incomum”, conforme o classificou o
ex-presidente Lula, sobreviveu ao temporal e manteve seu poder em
Brasília. Em agosto de 2009, foram arquivadas pelo Conselho de Ética do
Senado, presidido por um aliado do acusado, nada menos que 11 denúncias
protocoladas contra Sarney. As principais delas: os atos secretos,
muitos deles favorecendo parentes do senador e de aliados; supostas
irregularidades na Fundação Sarney; negócios de um neto do presidente do
Senado com crédito consignado; uma mansão não declarada à Justiça
Eleitoral; e um assessor [Aluísio Mendes] que teria usado o prestígio
junto à Polícia Federal para obter informações privilegiadas para
Fernando Sarney, filho do senador, investigado pela PF;.
No mês passado, o “honorável” foi pilhado usando um helicóptero do
governo do Maranhão (chefiado por sua filha Roseana Sarney) para ir a
passeio até sua ilha particular, Curupu, localizada no município de
Raposa (vizinho a São Luís).
JAQUELINE RORIZ
Deputada e empresária do ramo agropecuário, Jaqueline Maria Roriz
(PMN-DF), de 49 anos, foi absolvida no plenário da Câmara no dia 30 de
setembro, onde respondia a processo por ter sido flagrada em vídeo de
2006 recebendo dinheiro de Durval Barbosa, delator do “mensalão” do DEM.
A deputada admitiu que o dinheiro seria destinado ao “caixa 2” de sua
campanha eleitoral. Jaqueline é filha de Joaquim Roriz, ex-governador do
Distrito Federal, impedido de participar das eleições de 2010 por ser
“ficha suja”.
FERNANDO SARNEY
Filho de José Sarney, o empresário Fernando José Macieira Sarney, 55
anos, é um dos donos do Sistema Mirante de Comunicação – que inclui a TV
Mirante, filiada da Rede Globo no Maranhão.
Investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal em
2008, na operação “Boi Barrica” (rebatizada “Faktor”), Fernando foi
acusado de chefiar uma organização criminosa que sangrava recursos
federais em empresas ligadas aos ministérios dos Transportes e de Minas e
Energia. A PF e o MPF também encontraram irregularidades e fraudes nas
empresas do Grupo Mirante e no evento Marafolia (carnaval fora de
época).
Fernando teve sua prisão pedida pela PF, mas nunca foi preso, sendo
indiciado por cinco crimes: formação de quadrilha, gestão de instituição
financeira irregular, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e
evasão de divisas.
FERNANDO COLLOR
Eleito presidente da República em 1989, o ex-governador de Alagoas
Fernando Affonso Collor de Mello, de 61 anos, renunciou ao cargo em 2 de
outubro de 1992, pressionado por manifestações populares – como a dos
estudantes “caras pintadas” – e pelo processo de seu afastamento
(impeachment), levado a cabo no Congresso Nacional. Contra Collor
pesavam sérias denúncias de corrrupção, envolvendo tanto ele como o
tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias, o “PC”. Collor ficou
inelegível por 8 anos (até o final de dezembro de 2000), mas em 2006
elegeu-se senador pelo PRTB alagoano, cargo que ainda ocupa, agora pelo
PTB.
JOSÉ DIRCEU
Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, José Dirceu de
Oliveira e Silva, de 65 anos, ex-chefe da Casa Civil (2003 a 2005) do
governo Lula, é o “chefe da quadrilha do mensalão” – esquema de compra
de votos de parlamentares da base em troca da aprovação de projetos
encaminhados pelo governo Lula ao Congresso Nacional. Gurgel pediu ao
Supremo Tribunal Federal (STF) a condenação de Dirceu e mais 35 réus da
ação penal referente aos crimes do “mensalão”. Apesar disso, o
“quadrilheiro” José Dirceu segue tendo enorme poder em Brasília,
despachando num hotel luxuoso com ministros e políticos, mesmo não
ocupando nenhum cargo no governo federal. No encontro do PT que está
sendo realizado em Brasília desde sexta-feira (2), Dirceu foi alvo de
elogios rasgados tanto do ex-presidente Lula como da atual, Dilma
Rousseff.
SALVATORE CACCIOLA
Ex-dono do falido banco Marka, o ítalo-brasileiro Salvatore Alberto
Cacciola, de 67 anos, nascido em Milão, foi condenado no Brasil a 11
anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro (peculato e gestão
fraudulenta de instituição financeira). Ele causou um rombo aos cofres
públicos de R$ 1,5 bilhão, vendendo dólares abaixo da cotação de
mercado, após o Marka ter sido socorrido pelo Banco Central em 1999. Em
2000, Cacciola fugiu para a Itália e ficou lá até ser preso pela
Interpol em 2007. Em 2008, foi extraditado para o Brasil, cumprindo pena
no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu (Rio de Janeiro). Foi
solto em 25 de agosto passado, depois que a Justiça fluminense concedeu
sua liberdade condicional.
(*) Não ‘biografados’, por falta de espaço: Paulo Maluf, Jader
Barbalho, Daniel Dantas, Zuleido Veras, Antonio Palocci, Wagner Rossi,
Alfredo Nascimento, Eike Batista, Silas Rondeau, Ulisses Assad,
Astrogildo Quental, Waldez Góes e um extenso etc.
Por que o Brasil não tem indignados?
JUAN ARIAS*
Do El País
Do El País
O fato de que em apenas seis meses de governo a presidente Dilma Rousseff tenha demitido dois de seus principais ministros (o da Casa Civil, Antonio Palocci, uma espécie de primeiro ministro, e o de Transportes, Alfredo Nascimento), herdados do governo de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, demitidos sob os escombros da corrupção política, pode-se perguntar aos sociólogos por que neste país, onde a impunidade dos políticos corruptos sedimentou a idéia de que “todos são uns ladrões” e que “ninguém vai para a cadeia”, não exista o fenômeno, hoje em voga em todo o mundo, do movimento dos indignados.
É que os brasileiros não sabem reagir diante da hipocrisia e falta de
ética de muitos dos que os governam? É que não lhes importa que os
políticos que os representam, no Governo, no Congresso, nos estados ou
nos municípios, sejam descarados sabotadores do dinheiro público? Isso
se perguntam não poucos analistas políticos.
Nem sequer os jovens, trabalhadores ou estudantes têm apresentado até
agora a menor reação diante da corrupção dos que os governam.
Curiosamente, a mais irritada diante do assalto aos cofres públicos por
parte dos políticos, parece ser a primeira presidente mulher, a
ex-guerrilheira Dilma Rousseff, que demonstrou publicamente seu desgosto
pelo “descontrole” em andamento em áreas de seu governo. A presidente
já retirou de seu governo – diz que ainda não terminou a limpeza – dois
ministros chaves, com o agravante de que foram herdados de seu sucessor,
o popular Lula, que lhe pedira para mantê-los no governo.
Hoje a imprensa diz que Dilma começou a desfazer-se de certa “herança
maldita” de hábitos de corrupção do passado. E por que não provoca eco
nas pessoas na rua, ressuscitando aqui também o movimento dos
indignados? Por que não se mobilizam as redes sociais?
O Brasil, depois da ditadura militar, saiu às ruas inspirado pela
marcha das “Diretas já”, para pedir a volta das urnas, símbolo da
democracia. Também o fez para obrigar ao ex-presidente Fernando Collor a
deixar seu cargo diante das acusações de corrupção que pesavam sobre
ele. Mas hoje o país está calado diante da corrupção em andamento. Os
únicos capazes de levar para a rua até 2 milhões de pessoas são os
homossexuais, os seguidores das igrejas evangélicas e os que pedem a
liberação da maconha.
Será que os jovens não têm motivos para exigir um Brasil não somente
cada dia mais rico (ou menos pobre, pelo menos), mais desenvolvido, com
maior força internacional, se não também menos corrupto em suas esferas
políticas, mais justo, menos desigual, onde um vereador não ganhe até
dez vezes mais que um professor e um deputado cem vezes mais, onde um
cidadão comum, depois de 30 anos de trabalho, se aposente com 650 reais
(400 euros), enquanto um funcionário público com até 30 mil reais (13
mil euros)?
Em breve o Brasil será a sexta maior potência econômica do mundo, mas
no momento é o mesmo em desigualdade social e na defesa dos direitos
humanos. Entretanto, trata-se de um país onde não se permite à mulher
abortar, o desemprego de pessoas de cor alcança uns 20% - contra 6% de
brancos – e a polícia é uma das mais violentas do mundo.
Há quem justifique a apatia dos jovens pelo fato de que uma propaganda
bem-sucedida os convenceu de que agora o Brasil é invejado por todo o
mundo (e é em outros aspectos). Ou que a saída da pobreza para 30
milhões de pessoas tem levado a acreditar que tudo está bem, sem
compreender que um cidadão da classe média europeia equivale mesmo hoje a
um rico daqui.
Outros justificam pelo fato de os brasileiros serem gente pacífica,
pouco dada a protestos, e que gosta de viver feliz com o que tem e que
trabalha para viver, em vez de viver para trabalhar. Tudo isso também é
certo, mas não se explica ainda por que, em um mundo globalizado, onde
se conhece no mesmo instante tudo o que acontece no planeta, começando
pelos movimentos de protesto de milhões de jovens que pedem democracia
ou a acusam de estar degenerada, os brasileiros não lutem para que o
país, apesar de ser mais rico, também seja mais justo, menos corrupto,
mais igualitário e menos violento em todos os níveis.
Assim é o Brasil que os honestos sonham deixar para seus filhos, um
país onde as pessoas, no entanto, não perderam o gosto de desfrutar do
pouco ou muito do que tem e que seria ainda melhor se surgisse um
movimento de indignados, capaz de limpá-lo das sujeiras da corrupção,
que agridem todas as esferas do poder.
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